Coscorões são uma massa frita muitas vezes referidos como Asas de Anjos, os Coscorões são doces e crocantes, com um sabor a laranja e um toque de canela (o que eu adoro!).
E era os Coscorões que íamos fotografar.
Os Coscorões eram a nossa segunda escolha. Na nossa busca por avós (e avôs) que partilhassem as melhores receitas de Portugal, foi=nos sugerido que contactássemos a Iva Leal. “A alcatra é de comer e chorar por mais”. “Ela já ganhou prémios com a sua receita de alcatra” “A sua alcatra derrete-se na boca”. O que suscitou a pergunta, “O que é alcatra?” Depois do Google me dizer que era um assado fumegante embebido em vinho, fiquei convencido e liguei-lhe, mas tínhamos um pequeno problema – a alcatra demora 6 horas a cozinhar e por isso, a Iva sugeriu os coscorões. Fiquei desapontado e curioso sobre esta iguaria bovina que toda a minha vida me passou despercebida, por isso pesquisámos mais.
Por volta do ano de 1450, no início do povoamento da Terceira, foi deslocada para a ilha uma iguaria que viria a fazer parte da sua gastronomia tradicional. A Alcatra é um prato indispensável ao povo açoriano, principalmente nas épocas festivas. Não se faz Domingo de Páscoa, nem se celebram as Funções do Espírito Santo sem o delicioso cheiro da Alcatra a perfumar a casa.
Acredita-se que os povoadores desta ilha vieram das Beiras, da zona de Trás-os-Montes, a região a Norte de Portugal, onde a Chanfana é um prato popular, feito com carne de cabra e que terá sido esse que serviu de inspiração à Alcatra à moda da Terceira.
É indispensável perceber a relevância da vaca nos Açores. Antes da ilha da Terceira se tornar numa atracão turística, reconhecida a nível mundial pelas paisagens naturais, ali viviam mais vacas do que pessoas. E a indústria da carne de vaca e dos lacticínios era a principal fonte de rendimento da ilha.
As famílias com o hábito, muito português, de matar uma vaca inteira para terem carne para o ano inteiro, aproveitavam todas as partes do animal. Nem todos os pedaços serviam para fazer bifes, mas não era por isso que as outras partes e os ossos eram desperdiçados e assim, aprendiam-se e aperfeiçoavam-se receitas, demoradas, mas saborosas que permitiam tornar esses pedaços de carne mais tenros.
Cada comunidade e até cada família, pega na receita tradicional e molda-a à sua maneira. Contudo, as diferenças não são muitas, alguns cozinham com mais ou menos temperos que outros, mas uma coisa é certa, o uso da pimenta está presente em todas.
Porém, esta é uma receita que tem alguns segredos e dicas que são importantes de seguir. Tradicionalmente, a Alcatra é cozinhada num forno a lenha, mas adaptando-se aos dias de hoje, é possível fazê-lo num forno comum. Uma coisa é obrigatória, muita paciência. Este é um prato que demora entre 7 a 8 horas no forno para que a carne apure todos os sabores e esteja macia e saborosa.
Num alguidar de barro juntam-se as especiarias que, juntamente com o alho, o bacon e o vinho tinto, vão apurar na carne durante as longas horas de cozedura. Enquanto mais usado mais escuro ficará o famoso alguidar.
E atenção que o segredo não está só na carne, mas também no próprio alguidar de barro. Se o alguidar for novo, deve ser deixado em água fria durante 3 a 4 dias e depois deixar secar durante a noite. Assim que estiver seco, esfregue o interior do alguidar com manteiga ou banha. Depois, coloque um pedaço de toucinho e regue com o tradicional vinho branco produzido na Madeira.
O alguidar é colocado no forno ao mesmo tempo em que este é ligado, para que se mantenha a mesma temperatura e para evitar que o alguidar estale. Quando o molho começa a ferver, desliga-se o forno, mas a panela permanece lá até esfriar completamente. Deite fora o molho, passe o alguidar apenas por água, seque-o com um pano e assim, aquele alguidar está pronto a ser usado.
Esta iguaria costumava ser servida com massa sovada, mas hoje em dia muitas das receitas incluem como acompanhamento batata ou arroz. Até a própria Alcatra tem vindo a ser adaptada e têm sido criadas variações que incluem frango, coelho, feijão e até polvo.
Com toda a preparação to alguidar de barro e tempo de cozedura, eu percebi o porquê de a Iva ter sugerido os coscorões e enquanto caminhávamos para a entrada e tocávamos à campainha, estava realmente entusiasmado para satisfazer o meu desejo por doces…, mas não vou mentir, quando ela abriu a porta e senti o cheiro da carne ensopada de vinho, sabia que estávamos prestes a presenciar algo especial.
.
Alcatra à moda da Vila do Porto Judeu
Serves 12
INGREDIENTES
-
3 kg alcatra assada sem osso, cortada em pedaços grandes
-
1kg de chambão, cortado em pedaços grandes
-
1kg de rabadilha, cortado em pedaços grandes
-
1kg de carne de cachaço de vaca, cortado em pedaços grandes
- 2 a 3 pedaços de mão de vaca
-
4 cebolas grandes picadas
-
1 cabeça de alho picado
-
300gr de toucinho defumado, fatiado
-
1 colher chá pimento preta
-
1 colher chá de pimenta da Jamaica
-
2 colheres de sopa de manteiga
-
3 folhas de louro
-
1L de vinho tinto
DIRECTIONS
-
Coloque os pés de vaca no fundo do alguidar de barro ou do forno holandês.
-
Coloque uma camada de cebola, alho, bacon, folhas de louro e polvilhe com 1/3 da pimenta preta e 1/3 da pimenta da Jamaica.
-
Adicione uma camada de carne, usando 1/3 das peças de carne.
-
Repita os últimos dois passos para criar mais duas camadas – camada de cebola seguida por uma camada de carne.
-
Salpique o topo com pedaços de manteiga fria.
-
Adicione sal numa tigela, verta o vinho, até se dissolver.
-
Despeje a mistura de sal e vinho sob a carne.
-
Cubra o alguidar com folha de alumínio (se utilizar o forno holandês coloque uma tampa).
-
Coloque no forno a 350 ºF (170 ºC). Cozinhe até ficar tenor – cerca de 6 horas.
-
Sirva com pão (pão doce português) para absorver o molho.
-
Nota: se estiver a utilizar o alguidar de barro autêntico da Terceira, encha o alguidar com água e deixe de molho pelo menos 2 horas antes de utilizar.
Bom Apetite!
TEXTO: INÊS CARPINTEIRO & DAVID GANHÃO
RECEITA: IVA LEAL
FOTOS: FIN CHRISTOFORIDIS